Calmaria

     
Hoje a noite pareceu mais bonita porque você me estendeu teu abraço para matar meu frio. E eu quis te dizer um milhão de coisas, e contar como minha vida ficou mais calma e alegre desde que você chegou, mas eu não tive coragem.
     Como se fala pra alguém ficar, quando isso é a única coisa que não se deve implorar? Mas eu imploraria, porque tenho tanto medo de sonhar, esperar, amar outra vez. Porque tenho medo de dizer que você é a coisa mais linda que eu já vi. E que tenho vontade de desenhar teu rosto com a ponta dos dedos e gravar o som da tua risada, só pra que eu possa ver e rever nos momentos em que não consigo sentir mais nada além do medo e da dor.
     Porque você é engraçado sem ser egoísta. E cuidadoso sem ser manipulador. Você entende minhas manias e medos, mesmo quando eu não sei exatamente o que fazer com tudo isso que sinto e que sou.  Por isso, tudo parece mais leve quando você está comigo, ainda que eu não saiba dizer tudo que quero. Não tenho medo do desconhecido, nem você.
    Tudo parece tão fácil quando a gente se beija. Ainda que meio escondido por detrás de um caminhão velho, como dois adolescentes com medo dos pais. E eu sinto que ninguém viu minha alma como você, ninguém nunca entendeu todos os meus medos e todos os meus traumas como você. E teu silêncio é o único que não me assusta. Porque o mundo parece que me assusta menos quando estamos juntos, quase como se eu pudesse não sentir mais medo das coisas que não podemos ver.
    Por isso eu amo a curva do seu pescoço, porque ela tem a forma exata para que eu me apoie nele, como um bálsamo para todas as cicatrizes que eu carrego no peito e fazem da minha alma tão feia. E você ri, porque sempre sabe o que eu preciso. Você sabe, sempre sabe.
    Como daquela vez que eu chorei no seu peito porque meu passado ameaçou cair sobre mim feito pedra, e eu me vi perdida outra vez. Porque só a sombra da dor e do vazio que eu senti um dia, já são muito mais do que eu posso suportar. E você entendeu. Soube olhar pra mim e dizer o que precisava ser dito, mesmo que não fosse o que eu queria ouvir. Ou quando eu fiquei triste porque estava com saudade de casa, e você me lembrou o quanto eu sofri e chorei para chegar até aqui. Você me lembrou o quanto eu sou feliz agora, mais do que jamais fui.
   E eu sei que nem sempre sou a melhor pessoa. Que sei ser irritantemente infantil quando quero. E mimada demais, e nem sempre eu sei lidar com as coisas do melhor jeito. Mas eu não sou uma pessoa ruim. Eu mereço ser amada, desejada, sentida. Eu mereço não implorar por amor e ser amada em troca. E eu sei que isso não é questão de meritocracia. Você sabe disso também. E tudo seria mais fácil se fosse assim, mas não é. Por isso eu tenho tanto medo. Por isso eu perdi tanto, a ponto de me esquecer o que é ganhar. E eu quero ganhar. Ganhar beijos, abraços, mimos no meio do dia. Eu quero ter o que todo mundo ao meu redor sempre teve, menos eu. Nunca eu. Eu quero ser o sonho de alguém. Aquela pessoa que você procura no final do dia para buscar colo, a voz que acalma sua confusão. Eu quero ser o que ninguém foi antes. E pode parecer bobo porque, se você parar pra pensar, não é uma coisa tão significativa. Mas quando se passa tanto tempo sofrendo, passasse a desejar o pouco.
    Eu sei que tempestades vão nos alcançar. Eu sei que nem sempre haverá calmaria, e eu não espero que seja assim. Mas eu preciso tentar, se não jamais vou saber. E, meu amor, eu quero que me dê a sua mão, que entre comigo nessa confusão de raios e trovões e caminhe comigo no escuro. Que meu medo se misture ao teu, e que juntos encontremos abrigo. E possamos encontrar, finalmente, calmaria em alto mar.

- Cora

Outras mãos estão me tocando agora

    
Não é engraçado? Um ano atrás eu estava depositando todas as minhas fichas nas suas promessas de amor eterno, de permanência, de fidelidade, de amor. Eu lhe entreguei partes de mim que eram de suma vitalidade para minha sobrevivência. Eu deixei que ficasse, tornei-me de alguém até o ponto de esquecer quem eu era e não me importei com a altura até me deparar com a queda. 
Mas você se foi como todos os outros. O inverno chegou e você partiu com ele, deixando migalhas, mentiras e dor por onde eu pisasse. Você me matou quando me deixou para trás, quando me fez implorar sua presença como um cachorro vira-lata. E eu te escrevia coisas lindas porque era tudo que eu tinha. Era minha essência, meu corpo, minha alma. E tudo que eu fui, que eu poderia ser, tudo isso eu te entreguei em total rendição e desespero. Mas você não se apaixonou pelas minhas raízes e quando o inverno chegou e minhas flores murcharam e morreram, você não soube o que fazer. 
Agora, depois de me perder e me encontrar tão longe de casa, depois de reconstruir meus pedaços e cicatrizar as feridas que você abriu em mim, eu percebo que a verdade, a verdade é que eu nunca te pertenci. O amor que eu te dei, a poesia, a música que sempre esteve em mim ainda que não soubesse, tudo isso nunca foi seu. 
     Mas eu te amei tanto, tanto, que para deixar de amá-lo eu precisei aprender a amar outras pessoas. Eu precisei ser outra e, sendo outra, eu deixei deixei de ser sua. Você sabia disso, sempre soube. Teimei em ir embora, bati o pé e implorei para que não me arrancasse da sua vida, ainda que eu fosse só um móvel de canto na sua sala. E mesmo teimando em falar que me amava tanto, tirou-me de vez da tua casa e eu, ainda que aos pratos e descalça, fui embora para nunca mais voltar.
Agora outra pessoa me abraça enquanto chove lá fora. Outra pessoa desenha com os dedos as linhas do meu corpo e, mesmo com medo e confusa, eu não quero ir embora. E ele, diferente de você, pede que eu fique. E eu não consigo não adorar em silêncio o riso discreto que ele abre sempre que me vê distante, como um menino que descobre o mar pela primeira vez. E das mãos que ainda desvendam meus segredos ou desses dedos que não me conhecem por inteiro, mas que tanto prometem coisas que eu não sei se sou digna de saber. 
De repente eu me sinto tão impura. Quase como se eu não merecesse essa nova chance que a vida me dá. 
Aos poucos sua presença me deixa. No lugar dela uma nova surge, tão diferente, tão cheia de mistérios que me faz querer escondê-lo do resto do mundo. Tão mais palpável, tão mais tranquila. Não é calmaria, embora eu goste de como ela soa. É paz, aquela paz que eu pensei que tivesse antes. Que eu pensei que entendesse, mas que nunca conheci. É a liberdade que desfruto pela primeira vez, longe de casa e dependente da fé e dos passos que nem sei se consigo dar sozinha, mas que dou todos os dias. 
É esse sorriso que ele tem que eu não sei explicar, como se fosse um sol que afasta de mim qualquer vestígio da sua presença e faz o mundo parecer um lugar digno de se estar. Que faz tudo isso valer a pena e me fazer sentir que encontrei meu lugar. Que pela primeira vez, eu estou em casa.
É a forma como ele me mostra quem eu sou, como ele enxerga quem eu posso ser sem criar sobre mim uma figura mística e impossível de ser alcançada, como você sempre fez. É o jeito como ele beija a minha testa quando temos que trilhar outros caminhos e nos afastar nesse lugar onde até o calor dos nossos dedos nos é proibido. É o sotaque arrastado com gostinho de beijo roubado nas noites frias, são as palavras que ele escreve naquele caderno de capa marrom que tem o cheiro dele. É a boca que sorri quando eu afasto meus lábios no meio de um beijo, só pra esperar ele me puxar de volta como um sedento diante de água. 
É sobre o quanto eu quero amá-lo desesperadamente, mas tenho medo de me perder outra vez. E ele sabe disso, ele sabe. Assim como eu sei que ele finalmente se dá uma chance para encontrar-se no meio dessa loucura. Que não esperamos nada um do outro, a não ser a presença e a confidência dos nossos lábios, das palavras que nos seguem nesses textos que escrevemos um pro outro com tanto afinco. Como dois personagens, não mais narradores distantes de uma história que não nos permite sentir. 
Dessa vez, porém, vivemos. E eu já estou esquecendo em qual capítulo eu e você nos encontramos e desencontramos. Porque, nesse instante, tudo que me importa é quando eu e ele reencontraremos o a presença um do outro e descobriremos novos horizontes. 
Horizontes infinitamente melhores. Infinitamente mais felizes, onde fiquemos pela primeira vez. Aonde eu possa voltar todos os dias e chamar de lar. 

Chamar de amor. 

Porque, apesar de tudo, eu ainda odeio você

  
 
    Eu gosto de ver como você parece tão solto olhando pra mim do outro lado dessa mesa. Sua cabeça está apoiada contra a parede e seus ombros estão relaxados, deixando você menos presencial. Por que é isso que você faz quando chega, você preenche o ambiente. Seus ombros que parecem uma muralha, mesmo que diga o contrário, esse calor que emana de você. Esse silêncio que fala tanto. 
É quase uma outra pessoa me olhando. Seu riso é quase infantil, bobo, distraído. E eu sinto essa sua necessidade de ser entendido tanto quanto a minha de querer entende-lo. De repente eu sinto seu fardo, eu sinto todo o peso que você carregou nas costas, um peso que não era seu, e tenho vontade de puxá-lo pra perto e dizer que vai ficar tudo bem, mesmo que você não precise mais ouvir isso. Admiro sua força, admiro seus traumas e suas feridas. Mas admiro mais ainda esse jeito que você olha pra mim do outro lado da mesa, tão perto e tão longe de mim. Estamos ambos nervosos, isso é óbvio. Não consigo entender aonde isso tudo vai levar, mas deixo que continue. Claro que deixo. Quem sou eu para ignorar essa sua presença? É impossível não ficar menor quando você chega. 
Eu sei que você não percebe, mas as pessoas te olham o tempo todo. Sua presença causa uma sensação de respeito, quase como se você tivesse um segredo que precisasse ser compartilhado, mas não pudesse ser pronunciado. E eu fico aqui, olhando você rir tão menino, tão despido do homem que conversei nos últimos três meses, que quase me acredito ser outro. Mas ainda é você. 
Dessa vez eu deixo que alguém segure minha mão. Quase esqueço que a última vez que alguém fez isso, foi para me mandar embora. Começos. Passos que eu dou sem saber o final. Mas que faço segura. Não sou mais uma menina boba, meu coração não é mais feito de vidro. Não espero mais o príncipe que vai me salvar em seu cavalo branco. Nunca mais. E é por isso que olho para você e não consigo não sorrir. Nem mesmo quando nossas opiniões divergem, nem mesmo quando eu estou tão apavorada que minhas mãos estão suando muito. 
E eu odeio você. Odeio essa confusão que você faz comigo. Odeio sua mão segurando a minha. Odeio meus dedos que apertam os teus. Odeio como eu deveria estar te dando um pé na bunda, mas estou rindo e ouvindo você me contar coisas que deixam você mais e mais perto. 
E depois tem aquela cena que você me puxou de lado e me beijou e eu fiquei frustrada porque queria que não tivesse acabado tão rápido. E eu quis te arrastar pela camiseta até esquecer que existem carros, buzinas, gente que enchem o saco e regras que regem nós dois.
Mas eu me comporto. Você se comporta. Porque apesar de tudo, eu e você sabemos que não é só isso. E é por isso que continuo te olhando quieta, pensando e perguntando onde isso vai levar. Mas sem questionar, porque não quero mais ter controle do que não deve ser controlado. E deixo você guiar nossos passos enquanto eu me pergunto quando vou me acostumar com você. 

E deixo que você me abrace como a muito tempo não abraçam mais. 

Para os que morrem de amor

    
 Essa já é a décima vez que eu escuto toda a discografia de Clarice Falcão e eu ainda não consegui parar de engolir o choro. Isso não ajuda, eu sei. Mas é ótimo pensar que, ao menos por um segundo, ser louca não me torne alguém absurdamente solitária. 
     A maldição da mulher artista.
     Recolho os cacos da minha auto-estima e me pergunto onde foi que eu deixei de ser aquela figura que parecia tão interessante e divertida. Talvez eu nunca tenha sido isso realmente, não é? Não passo de uma fantasia, uma diversão até que algo melhor apareça. E sempre aparece. 
     Eu me sinto como uma coisa das quais eles usam e jogam fora quando se cansam. Eu me sinto um brinquedo que é deixado de lado por outro melhor. É esse o preço que se paga por escolher ser você mesma? É essa a consequência por eu ser assim, meio louca por dentro? 
Quantas vezes eu chorei sozinha, quantas vezes eu quis que, pelo menos uma vez, alguém não cansasse e fosse embora também? Mas eles continuam a cruzar a porta e eu continuo sem entender para onde ir.
É o meu medo do escuro? é porque eu não sou bonita o suficiente? É porque eu não sei ser misteriosa, gentil e engraçada o bastante? É porque eu não sou como todas as outras? É porque eu não uso pijama pra dormir porque tenho preguiça de colocar a roupa? É porque eu vivo falando besteira? É porque eu sou a melhor companhia em segredo, mas que perto dos outros é mais fácil fazer de mim uma desconhecida?
Alguém poderia, por favor, dizer em qual esquina, em qual rua, em qual peito eu vou encontrar abrigo e parar de me apoiar em pilastras de areia? Porque eu estou cansada de ser tão eu, e me doar tanto, e amar tanto, e querer tanto que isso faz de mim só mais uma coisa assustadora que eles deixam de canto por algo menos. Sempre menos. 
Menos amarga, menos ferida, menos egoísta, menos judiada, menos chutada que eu? Menos intensa, menos assustadora, menos eu que não seja eu? Alguém me diz como eu faço pra ser menos eu, porque ser eu só tem me feito perder e perder e porque eu quero ganhar, preciso entender o que estou fazendo errado? Ao menos uma única vez, eu quero ganhar.

Por que? Não entendo, por que eles chegam e nunca ficam? Por que quanto mais eu quero que durem, mais eles teimam em me deixar só? Estou com medo. E eu sei que é injusto esperar tanto, mas eu sempre dei tanto em troca. Mais amor do que jamais recebi. Já não sei mais quantas foram as vezes que eu me feri com tudo isso. É um mundo injusto para os românticos. 
Injusto demais para os que morrem de amor. 
- Cora

Consciente demais



Minhas mãos são tão frias quando toco de leve sua pele quente. De repente, nunca estive tão atenta a chuva que cai tão perto de nós. Ou ao cheiro de comida que permanece preso em nosso corpo e o vento frio que faz os pelos do meu braço se arrepiarem. Nunca estive tão consciente da proximidade, do inesperado, do desconhecido. Quase posso sentir o quanto temos tanto para falar, e tão pouco a dizer.

Tento não pensar nas coisas que me trouxeram até aqui, mas me sinto tão grata por elas. Mesmo as noites em claro, o medo e a dor de ser traída pelas pessoas que eu mais amei. Mesmo que minhas feridas ainda doam um pouco ou que o medo de não estar pronta para a felicidade ainda me faça vacilar vez ou outra. Não quero assustar ninguém.
Essa parte de mim que mais parece um trator que vai e volta em um ciclo sem fim assusta. Eu sei disso. Eu sei que minha inconstância, minha timidez com ares de ousada e minhas peripécias e comentários cheios de sentidos assustam. Uma parte de mim quer socar meu coração até que ele fique bem pequenininho e não assuste com o tamanho. Uma parte de mim quer voltar pra casa porque está com medo de estar só.
Mas uma parte de mim quer continuar sentindo o calor que vem da sua pele quente. Uma parte de mim quer esquecer da solidão e do frio que sempre se fez presente nesse imenso vazio que habita meu peito. Esquecer todos os ombros que cruzaram a porta, todos os adeus que nunca soube lidar. Uma parte de mim gosta de como seus olhos se parecem com os meus.
Eu ainda não sei quais são as cartas que estão viradas na mesa. Ainda não sei se sou capaz de lidar com a queda e o medo se eu perder ou ganhar. Afinal, sempre haverá aquela sombra de dor por onde eu tocar e isso não é culpa sua, nem de ninguém. É culpa da vida, das escolhas erradas que fiz. A culpa é das coisas que vi, mas que fizeram de mim essa tela sem forma, cheia de traços, cores e rabiscos sem exatidão. Maluca como uma obra de Picasso.
E eu fecho os olhos torcendo que ninguém veja meu corpo meio curvado das coisas que carrego nos ombros, no peito, na alma. Eu torço que você não me ache maluca, ainda que eu seja. Eu torço que chova, que faça frio e que o calor da sua pele ainda me faça sentir em casa.
E ainda me faça achar que o mundo pode ser imensamente melhor. Ainda que não seja.
- Cora.

Um texto que não é sobre você



Eu não estou escrevendo esse texto para você. Eu estou fazendo tricô enquanto bebo chá e assisto Ana Maria Braga. Eu estou praticando o meu Passé e forçando meus pés para se inclinarem na forma correta como minha professora tentou me ensinar um zilhão de vezes e eu ainda não aprendi. Eu não estou escrevendo esse texto para você, eu estou bebendo espumante com gente que gasta numa única noite o que eu ganho o mês inteiro. Estou ouvindo Luciana Serra cantando Les oiseaux dans la charmille pela milionésima vez porque os agudos dela me fazem querer dançar. Mas definitivamente esse texto não é sobre você.

É sobre as noites que sonho com as lembranças que fazem meu coração doer como se estivesse ferido, sobre eu ter voltado sozinha naquele táxi de madrugada e me perguntando quantas noites eu vou voltar sozinha pra casa até você voltar pra mim. Esse texto é sobre a ausência do seu corpo no meu, do teu calor no meu. É sobre a tempestade que cai fora dessa casa, mas que nem se compara com o furacão dentro do meu peito. É sobre aquele livro da Fernanda Young que eu jurei que não ia mais ler e escondi o meu dinheiro pra não comprar. É sobre aquela tarde em que sentamos naquela pedra e você estendeu sua mão e prendeu minha alma. Esse texto é sobre meu medo de trovoada, do meu pavor do escuro que voltou desde que você se foi. Esse texto é sobre aquele vestido preto que eu comprei pensando no quanto seus olhos adorariam despi-lo, mas que você não chegou a ver. Esse texto é sobre aquela tarde que eu disse que te amava no mesmo instante que você pegou no sono ou sobre os poemas que você não fez.

Mas não é sobre as 300.000 mil vezes que eu chorei implorando pra Deus trazer você de volta. Nem do meu grito sufocado no meio da madrugada ou de como tudo tão sido tão frio e cinza pra mim desde que nossa primeira briga deu início ao nosso fim.

Esse, definitivamente, não é mais um dos milhares de textos que eu já escrevi sobre você. Nem sobre meu amor dramático ou a saudade que sinto. É um texto sobre como a primavera chegou e ainda sinto que o inverno não passou. É sobre a eternidade da nossa história e do quanto eu sempre acreditei que nunca fomos nós, embora tenhamos sido. Esse é um texto que não é sobre você, mas que nunca deixou de ser você. E assim como essa minha cabeça bagunçada e o meu coração partido, ele é uma esperança de você voltar pra casa.

Ainda é você


Eu sei que as coisas estão confusas, erradas. Eu sei que você está ferido, magoado, sofrendo como um cachorro que foi chutado pela vida. Eu sei que você está com nojo, raiva e até rancor. Eu sei que você não quer mais ouvir minha voz, muito menos meu choro. Mas eu também sei que, quando toda essa escuridão passar e a gente se encontrar, o amor que você sempre sentiu por mim ainda vai estar ali.

O que você faria se eu dissesse que ainda são as nossas tardes de sábado, nossas caminhadas na praia, nosso riso abafado? E se eu dissesse que ainda é o seu perfume, a sua voz, o seu calor? E se eu disser que eu pego toda essa dor e jogo pra longe só pra gente ficar perto? E se eu disser, amor, que ainda é você, você volta?

Porque é.

É a sua cama bagunçada, seu cabelo rebelde. Ainda é suas caretas nas fotos, suas brincadeiras irritantes. Ainda é a sua poesia sofrida, suas mãos grandes e seu abraço que me cura. E se eu implorar baixinho pra que você volte, se eu me fizer menos eu, se eu chorar feito criança, você volta? Vem amor, tá frio aqui dentro de mim. E faz chuva. Vem acalmar minha tempestade, curar minhas feridas, secar o esse meu choro alto. Vem pra casa, amor. Volta pra mim porque essa distância toda tá me matando muito.

Mas não me deixa aqui chorando sozinha, andando sem saber para onde eu tenho que ir, vagando descalça pelas calçadas desse centro tão cheio de gente que não é você. Vem, vem devagar, fazendo barulho, não importa. Só não me deixa sem entender nada, só não me maltrata assim. Só não mente dizendo que tudo acabou, amor. Porque eu sei que você está mentindo.

Mata essa saudade crua, melancólica, vagarosa, que vai me rasgando aos pouquinhos e me arrastando para dentro do escuro. Faz isso ir embora, amor. Faz essa saudade ir embora de mim. Porque isso não é sobre o fim. Nem sobre começos. Isso é sobre as curvas dos nossos corpos que se juntam como se fosse feitas para estarem ali. É sobre as músicas que a gente cantou, os textos que a gente escreveu. Isso é sobre aquela tarde na praia que você estendeu sua mão me pedindo pra confiar em você, e eu confiei. Eu confio, amor. É sobre os almoços que você me fez, sobre as lágrimas que você chorou quando eu te contei daquele amor que eu perdi. Isso é sobre tudo que sacrificamos, tudo que sentimos, tudo que fizemos. Eu não posso escolher se vou sofrer ou não. Não posso parar de sentir dor e prometer que nunca vou ser ferida por você. Mas eu posso escolher se vou fazer isso valer a pena. Eu posso escolher para quem eu vou sofrer e eu aceito minhas escolhas.

Então vem beijar minha boca, vem aquecer meus pés gelados. Vem pra casa, amor. Vem pra mim. Eu prometo que jogo fora essa minha acidez incontrolável, que paro de tratar você mal. Eu prometo que vou lembrar-me das datas dos nossos aniversários, que vou parar de agir feito criança. Eu prometo que nunca mais escondo de você o que eu sinto. Mas não joga tudo pro alto agora, não vai embora de mim. A gente se pertence, não tem mais volta, lembra? Foi nossa decisão, foi nossa escolha. Ser eterno um do outro, lutar pelo outro, sofrer pelo outro. O que tinha que fazer, a gente fez. E eu não me arrependi.

Porque esse texto, amor, ainda é sobre você.